A tia benzedeira sempre lembrava: "Melhor não ficar
na rua às seis da tarde. É a hora morta". E Seu Arante com meia dose de
medo e meia de respeito, se esforçava pra sair do Pântano do Sul de manhã
cedido, ir até o Ribeirão da Ilha a pé pela Costa de Dentro e voltar antes
daquela hora maldita. Não foi por falta de aviso que dia ele se atrasou e
descobriu no que dá atravessar o Sertão do Ribeirão quando não se deve. Era
Inverno de algum ano da década de 1960 e, como todo inverno, o sol ia embora
mais cedo. Arante José Monteiro ainda
esbanjava juventude com seus 30 e poucos anos. Peixe dava de monte no Pântano
do Sul, no chão do Ribeirão nascia de tudo. Levava-se o peixe de um lado pra
trocar pelas verduras e farinha do outro. Nesse dia, Seu Arante fez tudo como
sempre: levantou no breu, antes das 6h, carregou o cavalo com dois balaios
atolados de peixe - um balaio de cada lado pro cavalo não ficar penso -, e se
pôs na estrada. Ele a pé, guiando o bicho pela rédea. Ao meio-dia, já tinha
passado o Morro da Boa Vista e, no Sertão do Ribeirão, visitado a avó. Seguiu
viagem, trocou o peixe pelas verduras e farinha, mas resolveu ir mais longe,
deu uma esticada até a casa da irmã, Maria, na Costeira do Ribeirão. Não devia
ter feito isso. O tempo, coisa mais rápida que tem, passou e ele não viu.
Quando resolveu voltar para o Pântano do Sul, o sol já pedia pra ir embora. Ele
e o cavalo eram as únicas vivas almas no caminho. Eram eles, o lusco-fusco e o
silêncio, vez ou outra quebrado pelo mato mexido com o vento Sul. O passinho
era miúdo, a barriga apertada de medo. Arrepiava tudo. Estavam no meio do
Sertão e a hora morta já havia alçando eles. Seu Arante ouvia o barulho da
cachoeira do lugar. Deu um ou dois passos de cabeça baixa, quando sentiu o
cavalo refugar e pular para trás. Ergueu a cabeça, olhou para frente e ficou
congelado com o que viu. Uma mulher, vestido branco arrastando no chão, cabelo
preto comprido e uma cara de quem faz questão de dizer: “eu já morri”. Ela
encarava Arante como se quisesse levar ele pra lugar de onde não se volta. Do
lado dela, esticada no chão, uma toalha vermelha lembrava sangue derramado, mas
para Arante isso é um mistério até hoje. O jovem nem se lembrou da reza para espantar
visagem – “te benzo em nome do Pai, do cristo e Espírito Santo” -, agarrou-se
no cavalo, apertou os olhos e só abriu quando sentiu o arrepio passar. A mulher
tinha sumido, do mesmo jeito como apareceu, por encanto. Contando a história,
hoje com 80 anos. Seu Arante fita vista no nada e jura que foi tudo assim e que
a mulher de branco ficou conhecida como a Encantada do Cachoeira.
*Baseada na historia contada por
Arante José Monteiro e
Arante Monteiro Filho, do Pântano do Sul.