sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

O defunto e o taxi

Seu Maneca não gosta de se lembrar. Mas pediu um café preto e forte pra esposa e resolveu me contar o que aconteceu uns 70 anos atrás em Florianópolis. E começou dizendo: “Quem é taxista antigo deve saber da história”. O Moacir (Seu Maneca pediu pra chamar de Moacir, um nome fictício, pra evitar brincadeiras com pessoas da família) trabalhava no ponto de taxi da Praça IX e dirigia um Ford daqueles que a porta era uma lona de correr. Era um taxista experiente, cuidadoso, bom motorista. Mas não imaginava que, quando aquele Dia de Finados estivesse quase acabando, ia viver o que viveu. Passava das 11 da noite, quando ele fez a última corrida. Deixou o passageiro no Itacorubi e, no retorno, na porta do Cemitério São Francisco de Assis, uma jovem fez sinal para ele parar. Bonita, bem vestida, cabelos longos e apresentava menos de 20 anos. Moacir parou, ela embarcou, pediu, com voz calma, par que fosse deixada em casa, no número 50 da Rua Conselheiro Mafra, e calou-se com o olhar fixado à frente. Moacir, como todo bom motorista, puxava assunto, mas a moça não respondia. Tentava mudar a prosa, mas nada da jovem responder. Foi assim até chegarem ao destino, no Centro da cidade, quando ela apontou onde queria desembarcar. Saiu do carro e disse que ia subir para pegar o dinheiro com o pai. Moacir concordou, ajudou a garota a sair do carro e acompanhou, só com os olhos, ela subiu os 20 degraus que levavam à casa, no segundo piso de uma construção. Os minutos passaram e Moacir perdeu a paciência exatamente à meia-noite. Subiu a escada e bateu na porta. Um senhor, com lá seus 60 anos, atendeu por uma fresta. Moacir de “boa noite” desculpou-se, disse que não queria incomodar, mas que a filha daquele senhor havia subido pra pegar o dinheiro da corrida. Só que já tinha se passado 20 minutos. Aquele senhor olhou para Moacir com surpresa e disse: “Deve ter ocorrido algum engano. Eu não tenho filha”. Mais surpreso ainda, o taxista espichou o pescoço para dentro da casa e viu um retrato na parede. “E dela que estou falando”. Já com a esposa parada ao lado da porta, o senhor consertou o que tinha dito: “Realmente eu tinha uma filha, mas ela morreu tem muitos anos. Está sepultada lá no Itacorubi. E hoje nem consegui ir lá deixar umas flores pra ela. Minha senhora não está bem de saúde... fiquei cuidando dela”.  Moacir gelou, o coração disparou. Nem se despediu. Desceu mudo, não cobrou a corrida, não olhou pra trás, enfiou-se no carro e foi embora. Sentido a falta dos pais no Dia de Finados, a jovem tinha saído da cova pra ver o que tinha acontecido em casa, naquele segundo andar da Rua Conselheiro Mafra.

Baseado na história contada por Manoel Joaquim da
Costa, do Bairro João Paulo, na Capital.

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