Seu Maneca não gosta de se lembrar. Mas pediu um café preto
e forte pra esposa e resolveu me contar o que aconteceu uns 70 anos atrás em Florianópolis. E
começou dizendo: “Quem é taxista antigo deve saber da história”. O Moacir (Seu
Maneca pediu pra chamar de Moacir, um nome fictício, pra evitar brincadeiras
com pessoas da família) trabalhava no ponto de taxi da Praça IX e dirigia um
Ford daqueles que a porta era uma lona de correr. Era um taxista experiente,
cuidadoso, bom motorista. Mas não imaginava que, quando aquele Dia de Finados
estivesse quase acabando, ia viver o que viveu. Passava das 11 da noite, quando
ele fez a última corrida. Deixou o passageiro no Itacorubi e, no retorno, na
porta do Cemitério São Francisco de Assis, uma jovem fez sinal para ele parar.
Bonita, bem vestida, cabelos longos e apresentava menos de 20 anos. Moacir
parou, ela embarcou, pediu, com voz calma, par que fosse deixada em casa, no
número 50 da Rua Conselheiro Mafra, e calou-se com o olhar fixado à frente.
Moacir, como todo bom motorista, puxava assunto, mas a moça não respondia.
Tentava mudar a prosa, mas nada da jovem responder. Foi assim até chegarem ao
destino, no Centro da cidade, quando ela apontou onde queria desembarcar. Saiu
do carro e disse que ia subir para pegar o dinheiro com o pai. Moacir
concordou, ajudou a garota a sair do carro e acompanhou, só com os olhos, ela
subiu os 20 degraus que levavam à casa, no segundo piso de uma construção. Os
minutos passaram e Moacir perdeu a paciência exatamente à meia-noite. Subiu a
escada e bateu na porta. Um senhor, com lá seus 60 anos, atendeu por uma
fresta. Moacir de “boa noite” desculpou-se, disse que não queria incomodar, mas
que a filha daquele senhor havia subido pra pegar o dinheiro da corrida. Só que
já tinha se passado 20 minutos. Aquele senhor olhou para Moacir com surpresa e
disse: “Deve ter ocorrido algum engano. Eu não tenho filha”. Mais surpreso
ainda, o taxista espichou o pescoço para dentro da casa e viu um retrato na
parede. “E dela que estou falando”. Já com a esposa parada ao lado da porta, o
senhor consertou o que tinha dito: “Realmente eu tinha uma filha, mas ela
morreu tem muitos anos. Está sepultada lá no Itacorubi. E hoje nem consegui ir
lá deixar umas flores pra ela. Minha senhora não está bem de saúde... fiquei
cuidando dela”. Moacir gelou, o coração
disparou. Nem se despediu. Desceu mudo, não cobrou a corrida, não olhou pra
trás, enfiou-se no carro e foi embora. Sentido a falta dos pais no Dia de
Finados, a jovem tinha saído da cova pra ver o que tinha acontecido em casa,
naquele segundo andar da Rua Conselheiro Mafra.
Baseado na história
contada por Manoel Joaquim da
Costa, do Bairro João
Paulo, na Capital.